sexta-feira, 22 de abril de 2011

a lila gnawa

simplesmente fui provocada a escrever sobre os gnawa. há um tempo atrás fui parar em marraquesh guiada pela lila gnawa, um ritual magrebi de música, dança, cura e cores muito ancestral, ligado ao sufismo, corrente mística do islam. os gnawa chegaram ao marrocos como escravos vindo da áfrica negra e trouxeram consigo uma rica cultura, cheia de nuances, crenças e música. foi no seio de uma família gnawa que vivi minha experiência marroquina.  lila é a noite que não termina nunca. a noite de la transe gnawa. a noite que começa com a comida, homens de um lado, mulheres de outro. todos se encontram numa grande sala depois de comido e um senhor de idade com os pés inchados dá início aos trabalhos musicais. o sentir, um baixo ancestral feito de madeira, couro e cordas de tripas de bode soa pelos ares e as metálicas castanholas marroquinas convidam os espíritos a descerem às áfricas para mais uma noite de invocação à cura. uma senhora está doente na casa e a família mata tal quantidade de frango, faz todas as comidas de praxe e convida os músicos e as mulheres para dançar invocando as entidades de cura. cheguei até aqui porque vim com um dos músicos, yassine, meu irmão gnawa. que me olha assim assim quando percebe que não consigo segurar meu corpo, que começa a se movimentar quase inconscientemente ao som da música de la transe gnawa. o amarelo, o branco, cada canção sagrada invoca o poder de cura de uma cor. as mulheres são os "cavalos" do ritual, são os corpos que se oferecem para que as entidades possam encarnar na terra. em transe, ajudada por outras mulheres, são vestidas com túnicas que vão mudando de cor à medida em que a noite vai passando e que as cores vão entrando e saindo do salão. já tem um tempo que não atendo mais por mim, já sou uma dessas mulheres e me vestem com essas roupas, não sei de onde saem, não sei de onde entram. entre uma canção e outra nos levam a um quarto onde só entram as mulheres. aí nos dão de comer comidas exóticas e com gosto forte, algumas mulheres estão prostradas sem força em camas, outras apenas observam tudo com olhos arregalados. cada cor invoca uma magia particular. o vermelho, cor de exu e iansã, deixa algumas mulheres caídas no chão, se debatendo, babando, sem consciência... o preto me leva ao delírio, ao pranto, ao peso, todas as dores do mundo caem como lágrima de meus olhos, o primeiro preto lava a dor, ultrapassa a dor, sou só dor e quase caio mas não caio, porque depois vem o azul, assamawuí, azul turquesa, cor da cura em expansão, me deixa leve e ajuda meu corpo a curar a dor da casa. depois me levam outra vez pro quarto, de onde saímos todos em uma procissão pela rua em frente à casa. as mulheres que não são casadas levam uma vela nas mãos e os tambores ressoam fortemente e de lá voltamos ao rito. la lila gnawa. a noite sem fim. a noite das cores que curam em sua dança. e vêem mais cores. verde, bege. o segundo negro é mais leve que o primeiro, mas também faz me faz chorar, apesar de que eu nem estou mais em mim. já é mais do que alta madrugada. as mulheres já estão exaustas no quarto e falta a vez de mimouna. me diz yassine que mimouna é uma mulher com patas de cabra que vive em uma casa na montanha. mimouna tem sete cores e todas as luzes da casa se apagam. velas são acesas e me levam sozinha e quase sem consciência até a sala. e mimouna vem. sou mimouna. sou as cores. todas as mulheres do mundo dançam comigo essa dança desesperada, a terra que puxa o corpo pra terra, o chão montanha, o corpo que tem todas as cores, o ressoar do sentir e sua baixa vibração, que tornou meu corpo escravo seu. o corpo que nem era mais meu, era corpo que se movimentava seguindo a música, as vibrações das cores, dos cheiros, do fogo, da menta. seis horas da manhã. o sol quase vindo e mimouna quase deixava já esse corpo eu. nele eu ele em mim ela em mim sons nas cores da aurora, lila. no último toque do sentir, esse corpo que caía quase desfalecido sobre o solo dessa casa portal era agora resquícios de não tempos não lugares não sensações não delírios. la lila gnawa. todo esse fluxo de energia que saía do céu e chegava nesse chão quente e arenoso da ponta norte da áfrica e nós aqui...............................

(mônica elias)

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